entrevista

'O que o espiritismo oferece vai muito além de uma carta psicografada', diz escritora que teve carta de filho psicografada por Chico Xavier

Camila Gonçalves

Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)

A doutrina espírita, a compreensão da dor do luto e a tragédia da Kiss aproximaram Célia Diniz de Santa Maria, há cinco anos. Logo após o incêndio da boate, ela esteve pela primeira vez na cidade. Autora do livro Vencendo a Dor da Morte - A História Real de Uma Mãe e a Superação da Perda de seus Filhos (Editora Intervidas), Célia também é personagem das obras literárias Caravana de Amor, de Chico Xavier, e Por Trás do Véu de Isis, de Marcel Souto Maior, que inspirou o filme As Mães de Chico Xavier, dirigido por Glauber Filho e Halder Gomes. Dos três filhos, Célia perdeu Rangel, 3 anos, que morreu ao cair da bicicleta, e a filha Mariana, aos 27, depois de uma dengue hemorrágica.

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Célia nasceu em Pedro Leopoldo (MG), terra de Chico Xavier, e preside o centro espírita que ele fundou em 1927. Na noite de 8 de novembro, a escritora e palestrante falou para um público de cerca de 300 pessoas, no Centro de Educação Espírita Boa Nova, em Camobi. Antes do evento, concedeu uma entrevista ao Diário, em que falou sobre o impacto da tragédia da boate Kiss, em janeiro de 2013, que deixou 242 mortos e mais de 600 feridos. Para Célia, foi um evento "impactante" e que serve de um alerta para o país inteiro sobre a importância da segurança das casas noturnas.

Para ela, hoje, a cidade está em processo de superação da dor que viveu há cinco anos. 

- Se Santa Maria hoje tem uma aura, eu diria que é uma aura de superação - afirma a líder espiritual.

Confira, a seguir, a entrevista com Célia Diniz:

Diário de Santa Maria - Como está, do ponto de vista espiritual, a cidade da Kiss, cinco anos após a tragédia?
Célia Diniz - O incêndio da boate Kiss foi impactante para o Brasil todo. O incêndio daqui foi um alerta para todas as outras casas noturnas neste nosso país, onde a segurança é, às vezes, desdenhada. É como se o Brasil devesse a esses jovens e devesse a Santa Maria essas modificações que aconteceram. Quanto ao clima da cidade, eu não posso dizer, porque eu sou recebida com tanto carinho, então, não percebo essa aura de tragédia. Mas, se Santa Maria hoje tem uma aura, eu diria que é uma aura de superação.

Diário - Os pais das vítimas da tragédia contam que sofrem críticas da sociedade por manter a lembrança da morte dos 242 jovens e a luta por justiça pulsando em um banner, no centro da cidade. Como a senhora vê isso?
Célia - Eu lembro de ter conhecido, em uma das vindas, o presidente da associação. Ele era um senhor extremamente bem intencionado, exercendo a sua cidadania, porque nós, brasileiros, somos de uma índole muito pacífica que chega ao comodismo. E quando alguém se levanta para defender os próprios direitos, há quem estranhe, porque espera-se que o brasileiro continue deitado eternamente em berço esplêndido, mesmo que o berço não esteja tão esplêndido. Então, mesmo dentro do aspecto religioso, as pessoas podem interpretar a aceitação do que acontece como um comodismo. Mas nós precisamos exercer a nossa cidadania. Se houve uma causa, é preciso que lutemos para debelar essas causas, para que não aconteça isso com quem tem que ficar. A lei humana está aqui para organizar a sociedade em bases mais justas, e a lei humana é auxiliar da lei divina. É muito abaixo da lei divina, mas o princípio da lei é o princípio do respeito ao outro, tudo o que Jesus falou. Se existe uma lei capaz de coibir um comportamento destrutivo e covarde, ela tem que ser usada.

Diário - Como a senhora se sente falando de suas próprias perdas em palestras?
Célia - Há uma blindagem. Não é catarse. Nunca foi catarse. Às vezes, a pessoa pode pensar que estou falando para extravasar a dor que existe dentro de mim. Isso, sim, seria uma catarse. Eu descubro na doutrina espírita todas as ferramentas de superação da dor e quero ter a alegria de compartilhar isso com os outros. De vez em quando, paro e me pergunto se eu estou fadada a nunca esquecer um detalhe de minhas perdas. Mas, quando analiso como esses fatos são lembrados, hoje, sem nenhuma dor, eu vejo que está tudo certo. Minha mãe me mandou uma mensagem um dia com uma frase que eu quero lembrar: "Minha filha, continue a sua tarefa. Jesus houve por bem fazer com que as nossas dores servissem para cicatrizar as dores alheias", algo parecido com isso. A minha dor que doeu um dia e o fato de eu ter me recuperado emocionalmente e recuperado a alegria de viver são algo inadmissível num coração enlutado de pouco tempo, que pensa: "A minha vida acabou, eu nunca mais vou ser feliz". Se eu sou a prova viva de que é possível recuperar a alegria de viver, acho que eu tenho que dizer isso para as pessoas. Ontem, eu abraçava uma mãe em Passo Fundo, seis meses que a filha se foi assassinada. Eu a abracei, olhei nos olhos dela e disse: "A única diferença entre nós duas é que, para mim, há tempos já passou e, para você, não. Essa dor vai passar".

Diário - Uma carta do seu filho chegou a ser psicografada por Chico Xavier?
Célia - Um ano após a partida do Rangel, ele mandou uma carta para mim. Era tão raro uma criança tão pequena conseguir escrever, que isso foi parar num livro, que se chama Caravana do Amor. E, depois, a minha história foi parar no filme. A mensagem do meu filho, eu percebia, tinha todas as evidências de uma verdadeira psicografia, particularidades, nomes de parentes que eu nem sabia que tinha, o dia a dia da minha casa, o vizinho mais próximo, a secretária do meu lar, todos os detalhes. Eu não precisava de nenhum deles para saber que psicografia de Chico Xavier é um fenômeno autêntico, mas, ali, tinham todas as evidências. Mas hoje, e desde sempre, eu sei que o que o espiritismo tem para nos consolar vai muito além de uma carta psicografada. Chico Xavier lendo uma carta psicografada para mim, você quer coisa mais sublime que isso? Ele lia: "Mamãe, estou vivo e estou crescendo" e o meu coração gritando: "Eu que quero ver esse crescimento. Não me interessa se você está crescendo longe de mim, eu quero que você cresça perto de mim". Ele continuava: "Mamãe, tia fulana disse que eu sou um ótimo aluno, e ela me ajuda com os deveres". E a minha alma, meu egoísmo, meu apego gritava: "Mas eu que quero acompanhar as tarefas escolares". E olha que eu estou falando de uma carta escrita por Francisco Cândido Xavier.

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